Wilson Firmo
O fim de tarde estava chegando em Ponte dos Carvalhos quando as ruas daquele Distrito ficaram pequenas, apertadas, entupidas de gente. Gente com enfeite, sem enfeite, sem máscaras, ou com todas as máscaras.
Era visível um misto de alegria e puro êxtase ir desfilando atrás de uma “capeta” que rebolava, que exaltava sensualidade e provocava o desejo nos olhares de tantos.
Na balada de músicas com gostos bem variáveis, cada um ia se envolvendo como podia: ora pulando, ora rebolando, ora exaltando seus “segredos”, ou apenas caminhando seguindo os passos ou praticamente sendo conduzido pelo empurra-empurra. Não cabia mais um pé de gente.
E com tanta coisa tomando a atenção dos que participavam do bloco dos Casados, em Ponte dos Carvalhos — até porque não havia outra alternativa de lazer, de apreciar o carnaval — então foi-se com o que tinha.
E aí não dá pra destacar e repetir o que foi dito pelos organizadores, de que “Os Casados” era, sem dúvida alguma, o maior bloco de rua, que conseguia mobilização tamanho aglomerado de gente por metro quadrado.
E eis que entra em cena — ops, talvez não seja correto afirmar que se tenha entrado em cena — ninguém o percebeu e por pouco ele não era pisoteado, esmagado como os tomates bem vermelhos, com os quais parecia estar se saboreando.
Não, não era um mais um personagem, não era uma lauça, nem papangu. Quem dera fosse alguma dessas figuras. Mas esta figura não tinha figura, pois mais parecia com a cara da injustiça. Taí, se a injustiça, se a miséria, se a lástima tem cara, posso dizer: EU VI O CARA.
E não foi uma cena fácil de fazer. O sentimento de horror, de estar estarrecido, parecia não me dar o equilíbrio necessário para segurar a câmera. Mas entrou luz no diafragma da máquina. Na verdade, as fotos captadas mais pareciam milagres, porque a cena era de uma profunda escuridão, do desprezo, da desolação.
Eu vi pingar o sumo do tomate que escorria nas laterais da boca daquele bicho-homem.
Enquanto a folia “comia” solta nas ruas de Ponte dos Carvalhos, com a capeta de chifre vermelho conduzindo a multidão, o homem vorazmente “comia” ou devorava o mais vermelho dos tomates jogados no lixo de um supermercado.
A mente foi rápida e me fez recordar Manuel Bandeira, com seu “bicho”.
“Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.”
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.”
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